segunda-feira, 28 de julho de 2014

O novo, o velho e o antigo


O novo, o velho e o antigo



O tempo  sempre ocupou lugar de destaque entre as preocupações do ser humano, que ao longo de toda a sua história desenvolveu formas de medi-lo, representando  tentativas de  organizar  a vida. A concepção de tempo é vista de diferentes modos  pela filosofia, física e outras áreas de conhecimento, entre as quais é considerado como absoluto, finito, infinito, cíclico e linear.

O tempo de vida individual é linear, ocorre apenas em uma direção, é irreversível. Por essa razão tentamos constantemente  controlar nossa  trajetória  a partir do ponto em que nos encontramos na linha de domínio do tempo.

Quando procurada por jovens  irresolutos diante de decisões a serem tomadas, oriento que por serem jovens, devem se arriscar, pois se nada der certo, terão tempo de vida para recomeçar.  Somente ao refletir sobre a  questão do tempo individual  é que percebi  o meu engano ao pensar dessa forma.  Há um equívoco nessa maneira de pensar. Sempre é tempo de viver coisas novas,  qualquer coisa.  Quanto menos tempo individual nos restar, mais deveremos nos abrir para o novo.

O novo é o que nos possibilita o vir-a-ser: um novo projeto, um novo trabalho, um novo amor, o incerto... um novo homem. É o desafio,  a oportunidade de fazer e ser melhor.  É experimentar, lançar-se em direção ao desconhecido,  atrever-se e correr riscos.

Muitas vezes, o novo é visto como ilógico e irracional. Mas é por meio do que é  tido como insensato que promovemos grandes realizações. Alguns afirmam, por exemplo, que lógico é que não possamos sentir falta daquilo que nunca tivemos, porém somos seres  capazes de sentir falta do que ainda é desconhecido, daquilo que nunca foi nosso. A partir disso, promovemos invenções e descobertas do que precisamos, projetamos ou sonhamos,  suprindo a nossa necessidade por meio do novo.

Considerando que o tempo individual é  irreversível para nós, o novo  não  encontra-se no passado e nem no futuro, um tempo que há de vir.  O novo é inseparável do agora, não reside  em um tempo inacessível ao homem.  

O antigo, no entanto, nos remete ao que foi vivido. Permite que retornemos no tempo por meio de nossa mente e possamos reviver o que quisermos: momentos bons ou ruins.  Preferimos muito mais reviver o que foi bom. As lembranças fazem com que possamos ter  a sensação de viver o já vivido, em um novo tempo.

O homem antigo é o que se renova. É aquele que vive tendo a segurança do saber adquirido, das lições  aprendidas, de mudanças realizadas.  O  ser humano não nasce pronto,  vai se fazendo com o passar do tempo em que vive, tornando-se assim, antigo e dessa forma, nem sempre fica velho, pois somente envelhecemos quando vivemos sem aprender nadaMas o homem antigo  não é o novo homem, não se aventura, é ponderado demais, sensato demais, prudente demais. Renovar-se é ficar como novo, não é o novo.

A apreensão e compreensão dos conhecimentos admite a reelaboração dos sentidos dos saberes velhos que,  redimensionados por novas focalizações, resultam em nova versão  do mundo já conhecido. Assim, construído a partir do conhecimento velho, o novo impulsiona a evolução humana e em favor desta torna-se velho, para que o conhecimento novo se faça do mesmo modo, resultando em um movimento progressista.

Ao olharmos para a vida, percebemos que não é possível contrapor abstratamente o velho, o novo e o antigo. Podemos distinguir suas características artificialmente, mas essas são inseparáveis, pois convivemos com a tríade o tempo todo. O que nos situa em um dos três domínios, não é o quanto vivemos sob a contagem do tempo, mas como escolhemos permanecer em relação a nós mesmos e ao novo.

Não nascemos destinados a ficarmos velhos ou com o desígnio de sermos antigos, mas de aproveitarmos toda a essência de vida que tivermos em nós para vivermos o novo, para sermos o novo homem.   Esse é o propósito de vivermos em um plano no qual nada foi feito com a finalidade de durar para sempre.

                                                                                                                    Eunice Alonso


DALÍ, Salvador. A persistência da Memória. Disponível em  <http://www.moma.org/collection/object.php?object id =79018> Acesso em: 28 de jul.2014.

domingo, 6 de julho de 2014

Desamar


Desamar


O amor é mesmo como disse o poeta1: o fogo que arde sem se ver. Fácil é nos render a ele, mas quando temos  que deixar de amar, temos que desamar,  é  preciso muita coragem.

O desamor é o desapego, é relegar a um canto secreto aquilo que te faz tão feliz,  que nos ilumina por completo, que nos aquece, nos acende. E todos sabem como é difícil ocultar a luz proveniente do fogo.

A energia que emana das chamas inunda-nos, assim como tudo o que estiver a nossa volta.  Por mais tentativas que façamos,  os raios encontram sempre uma fresta, e escapam na velocidade que lhe é própria, a da luz, insuperável entre as demais.

A melhor estratégia para extinguir as chamas, sem nos  aproximarmos muito e nos queimar, é privá-las de todo o oxigênio. Se conseguires colocar-lhes uma redoma, quando todo o oxigênio contido nela for consumido, as chamas definharão, reduzir-se-ão tremulando,  como se pedissem socorro, lutando pela existência,  tocando o coração,  amoroso por natureza.

Sentindo-se ameaçado por tamanha dor,   o coração requer o auxilio de outros órgãos do corpo, que, solidários,  prontamente deixam de realizar suas funções vitais para socorrê-lo.  Os olhos perdem o controle sobre o canal lacrimal, a boca, o controle sobre as glândulas salivares,  a concentração nos falta, nossos pensamentos ficam confusos, ficamos indispostos, a deriva,  pois todos os esforços são direcionados para amenizar a dor do coração, consolá-lo, salvá-lo. Algumas pessoas sucumbem, tombam, não resistem ao caos.

Desamar é algo que nos faz sofrer, prejudica-nos. Tens que ser corajoso, persistente, para suportar tal processo, durante o qual verá  o amor se apagar e com ele, seus sonhos desaparecerem. E o que somos sem amor? Sem nossos sonhos?  Nada. É isso, desamar é reduzir-se a nada, negar-se, desacreditar-se, retornar de lugares que nunca existiram, mas dos quais estivemos tão próximos, deixar de viver plenamente,  morrer um pouco.

Sendo assim, por que desamar? Por invenções realizadas pelo próprio homem como as convenções, por controle e poder sobre si, sobre o outro e sobre as coisas que nos cercam, por egoísmo, por orgulho, por não ter o amor reconhecido pelo outro.

Amar não é uma escolha, encontra-se o amor e ele instala-se em nós. Desamar é escolher o martírio, ou seja, o sofrimento, a morte por ter amado.

Felizes aqueles que nunca  submeteram-se a isso.

Felizes daqueles que nunca caminharam sobre as cinzas de um amor.

                                                                                                         Eunice Alonso


 Vénus de Milo - sala 16 - Museu  do Louvre. Paris,  2012.
 1Luís de Camões

quinta-feira, 3 de julho de 2014