REVISTA VOCÊ S/A 20/11/2014 05:55
O professor de Harvard que ensina a ser feliz
O professor Tal
Ben-Shahar: “A felicidade não é estática. É um processo que termina apenas com
a morte”
São Paulo - Os cursos mais populares da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não ensinam medicina nem direito, mas felicidade. No ano passado, mais de 1 000 alunos se
inscreveram para
assistir às aulas do professor Tal Ben-Shahar, que usa um ramo da psicologia para ajudar os estudantes de graduação na busca da realização pessoal.
Na primeira vez que ministrou o
curso, há dez anos, oito pessoas se inscreveram. A fama cresceu e, embora os
alunos façam trabalhos, não recebem notas, mas algo mais pessoal. “Eles falam
que a aula muda a vida deles”, diz Tal. Nesta entrevista, ele mostra como
encontrar satisfação profissional e pessoal.
VOCÊ S/A - Aulas que têm como
enfoque otimismo e felicidade não são algo comum em uma universidade
tradicional como Harvard. Por que criou o curso?
Tal Ben-Shahar - Comecei a estudar psicologia positiva
e a ciência da felicidade porque me sentia infeliz. No meu segundo ano de
estudante em Harvard, quando cursava ciência da computação, eu era
bem-sucedido, pois tinha boas notas e tempo para atividades que me davam
prazer, como jogar squash. Mesmo assim era infeliz.
Para entender por que, mudei de área
e fui cursar filosofia e psicologia. Meu objetivo era responder a duas
perguntas: por que estou triste e como posso ficar feliz? Estudar isso me
ajudou, e decidi compartilhar o que aprendi.
VOCÊ S/A - Uma pesquisa de
doutorado feita no Brasil revela visões diferentes do que é ser
bem-sucedido, que vão além de dinheiro e poder. As pessoas buscam algo
mais profundo?
Tal Ben-Shahar - Sucesso não traz, necessariamente,
felicidade. Ter dinheiro ou ser famoso só nos faz ter faíscas de alegria. A
definição de sucesso para as gerações mais novas mudou. Não é que as pessoas
não busquem dinheiro e poder, mas há outros incentivos.
No passado, sucesso era definido de
maneira restrita, e as pessoas ficavam numa empresa até a aposentadoria. Agora,
há uma ânsia por ascender no trabalho, ter equilíbrio na vida pessoal e
encontrar um propósito.
VOCÊ S/A - Qual a principal
lição sobre a felicidade o senhor aprendeu?
O que realmente interfere na
felicidade é o tempo que passamos com pessoas que são importantes para nós,
como amigos e familiares — mas só se você estiver por inteiro: não adianta
ficar no celular quando se encontrar com quem você ama. Hoje, muita gente
prioriza o trabalho em vez dos relacionamentos, e isso aumenta a infelicidade.
VOCÊ S/A - Descobrir para onde
queremos ir seria a grande questão?
Muita gente não sabe o que pretende
da vida simplesmente porque nunca pensou sobre o assunto. As pessoas vivem no
piloto automático. Ouvem de alguém que deveriam ser advogado ou médico, e
acreditam em vez de se perguntar do que gostam. Essa é a questão fundamental.
VOCÊ S/A - Como aplicar as
diretrizes da psicologia positiva no dia a dia do trabalho?
Uma maneira é pensar nos progressos
diários que um profissional alcança no fim de cada dia. Segundo uma pesquisa de
Teresa Amabile, professora de administração da Harvard Business School, quem
faz isso tem índices mais altos de satisfação e é mais produtivo.
Deve-se também valorizar os próprios
pontos fortes e, no caso dos chefes, os pontos fortes das pessoas da equipe, o
que aumenta a eficiência dos times. Isso não significa deixar de lado as
fraquezas, que devem ser gerenciadas. Apenas que a maior parte da energia
precisa ser gasta fortalecendo os pontos fortes ao máximo.
VOCÊ S/A - Dá para fazer isso
mesmo em momentos de crise ou de baixo desempenho?
Sim, desde que os profissionais sejam
realistas. Em 2000, quando Jack Welch (ex-presidente da GE e referência em
gestão) foi nomeado o gerente do século pela revista Fortune, perguntaram que
conselho ele daria a outros gerentes. A resposta foi: aprendam a encarar a
realidade.
O mesmo se aplica nesse caso. A
psicologia positiva não defende que os erros e os pontos fracos sejam
ignorados. Apenas propõe uma mudança de foco: parar de enxergar só o que vai
mal e ver o que dá certo — mesmo nas crises. A proposta é observar o quadro
completo da realidade.
VOCÊ S/A - Qual sua opinião
sobre o discurso de que basta fazer o que ama para encontrar satisfação
profissional?
Isso pode ser a solução para alguns.
Na maioria dos lugares e trabalhos, é possível identificar aspectos
significativos para cada pessoa. Uma pesquisa feita com profissionais que
trabalham em hospitais mostrou que tanto no caso de médicos quanto de
enfermeiros e auxiliares havia profissionais que enxergavam o trabalho como um
chamado e outros que o viam apenas como um emprego.
Em outras palavras, o foco que damos
ao trabalho acaba sendo mais importante do que a natureza dele. Alguém que é
funcionário de um banco pode pensar que trabalha com planilhas o dia todo ou
que está ajudando as pessoas a gerenciar sua vida.
VOCÊ S/A - O jornalista
britânico Oliver Burkeman defende que não se deve buscar felicidade, mas o
equilíbrio, pois ninguém pode ser feliz sempre. O que acha disso?
Concordo. A primeira lição que dou na
minha aula é que nós precisamos nos conceder a permissão de sermos seres
humanos. Isso significa vivenciar emoções dolorosas, como raiva, tristeza e
decepção. Temos dificuldade de aceitar que todo mundo sente essas emoções às
vezes. Não aceitar isso leva à frustração e à infelicidade.
VOCÊ S/A - O senhor é
feliz?
Eu me considero mais feliz hoje do
que há 20 anos e creio que serei ainda mais feliz daqui a cinco anos. A
felicidade não é estática. É um processo que termina apenas com a morte.
Encontrei significado em meu trabalho e faço o que me dá prazer, mesmo tendo,
como todo mundo, momentos de estresse e sofrimento — esse é o equilíbrio que
todo profissional deve almejar.
Mas também procuro desfrutar de
coisas fora do mundo do trabalho: passar tempo com minha família, com meus
amigos e encontrar um espaço na agenda para a ioga. Tudo com moderação.
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/19702/noticias/o-professor-da-alegria> Acesso em: 23 nov. 2014.
