quinta-feira, 30 de abril de 2020
sábado, 22 de fevereiro de 2020
| Fonte: Própria autora. |
Um coração no meio da cebola
Eunice Alonso
Durante o verão, no período de férias, estava preparando uma salada e fui surpreendida com a imagem de um coração ao fatiar uma cebola. Uma imagem perfeita de um coração. Algo inusitado para mim.
O meu filho estava em casa neste período. Chamei-o. “Ju, encontrei um coração dentro de uma cebola!” Ele entrou na cozinha. Olhou com ar de superioridade, analisou e disse: “Sabe o que significa encontrar um coração dentro da cebola?
Enquanto eu pensava, ele afirmou: “Nada. Encontrar um coração no meio da cebola não significa nada.” Olhei para ele decepcionada e em seguida caímos na gargalhada. Como era bom tê-lo em casa. Ele não é um especialista da área da linguagem e aos vinte e quatro anos, tem plena consciência da minha dedicação pela análise do discurso. Mas diverte-se diariamente, contrariando minhas proposições sobre questões inerentes à comunicação. Para defender meu posicionamento diante da importância daquela descoberta, travamos uma batalha.
O conhecimento de mundo que cada um de nós acumula durante a nossa vida, por meio de vivências e experiências, vai sendo armazenado em nossa memória. É muito pouco provável que duas pessoas compartilhem o mesmo conhecimento de mundo. No entanto, para que a comunicação tenha êxito, os interlocutores devem ter uma boa parte de conhecimentos em comum.
A semiótica é entendida como a ciência que estuda os signos, os quais são sinais que representam algo, podendo ser objetos perceptíveis ou apenas imagináveis. Ou seja, o signo é tudo aquilo que representa algo para alguém. Assim, os interlocutores podem apresentar os pontos de vista diferentes, e criarem conflitos, devido às suas condutas sociais, pois essas são provenientes de suas próprias crenças, em um determinado momento histórico, considerando seus objetivos em determinada situação comunicativa.
Dessa forma, muitos conseguem ver a necessidade da cebola na salada. Alguns percebem a necessidade da ardência e acidez dessa hortaliça condimentar para a uma boa salada. Mas poucos, muito poucos têm sensibilidade para ver um coração no centro de uma cebola e imediatamente acionar conhecimentos relacionados a imagem que um coração representa em qualquer ocasião.
Assim, encontrar um coração no centro de uma cebola é nada e é tudo.
Fonte: Própria autora.
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quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
Não basta querer
Michel Alcoforado, doutor em
antropologia, faz uma reflexão a partir do rap do verso "Eu só quero é ser
feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci"
Por Michel Alcoforado
access_time8 jan 2019, 17h57 -
Publicado em 8 jan 2019, 17h54
![]() |
| (John Holcroft/Getty Images/Veja SP) |
Sorte a nossa que já havia
gravadores de áudio quando Cidinho e Doca compuseram o Rap da
Felicidade. Caso contrário, os funkeiros estariam roucos de tanto
cantar: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci,
e poder me orgulhar e ter a consciência que pobre tem seu lugar” como se fosse
uma oração. Desde o lançamento, os deuses se fazem de surdos aos clamores da
dupla. Para ser feliz é preciso mais do que querer.
O Relatório da Felicidade, criado pela ONU, em 2012, mede a felicidade interna de 158 nações. O objetivo do estudo é criar uma métrica alternativa de sucesso e auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas. No cálculo, observa-se: o amparo aos mais necessitados, a liberdade de expressão, a generosidade do povo, os casos de corrupção, as desigualdades sociais, a expectativa de vida, os níveis escolaridade e renda. Nos últimos cinco anos, perdemos posições no ranking. Fomos ultrapassados por doze países, ocupamos o 28º lugar, atrás do México, Costa Rica e Panamá. No topo da lista, está a Finlândia. Não é para menos.
Há 100 anos, os finlandeses lutam por igualdade. Homens e mulheres ganham o mesmo salário quando desempenham funções semelhantes. Elas já se acostumaram aos pleitos eleitorais. Votam desde 1906 e são eleitas para cargos majoritários. Quando mães, contam com a ajuda financeira do governo, dividem as tarefas com os maridos e dormem tranquilas. Seus filhos estudarão em escolas de alta performance, não sofrerão com a violência urbana e morrerão no curso natural da vida, depois dos 82 anos. Por lá, felicidade não é privilégio.
No Brasil, os felizes vivem como ilhas isoladas a beira de um tsunami. Ora parecem alienados, distantes da realidade, ora temem uma iminente reviravolta. É duro ser feliz no país em que 1/3 das mães não sabem como farão para alimentar seus filhos durante o mês com o salário que ganham. Apesar da jornada dupla, ganham menos do que os homens e chefiam, sozinhas, lares pobres ou miseráveis. Seus filhos terão de lutar chegar ao Ensino Médio de escolas sucateadas. É mais provável que desistam antes. Ou por conta da desmotivação, ou porque morrerão. A cada 23 minutos, uma mãe chora a morte de um filho negro. A violência urbana matou 325 mil jovens nos últimos dez anos. Por aqui, dente na boca, sorriso branco, diploma na parede e alegria são símbolos de status. É coisa para compartilhar no Instagram.
Concordam os gurus indianos, os livros de autoajuda e o Relatório da ONU que as portas para a felicidade aumentam de acordo as oportunidades criadas pela vida social. Os esforços individuais são inúteis se não houver contextos favoráveis. Temos mais chances de sermos felizes quando temos o básico garantido e sobra tempo para sonhar com o supérfluo, onde a vida é tão previsível que sorrimos diante do inesperado e tomamos decisões sem temer os riscos. A felicidade é o resultado de um jogo de forças no qual indivíduos, a sociedade e os governantes são protagonistas.
No último verso do Rap da Felicidade, Cidinho e Doca cobram, dos poderosos, a sua cota de responsabilidade no jogo. Já prevendo a costumeira incompetência, nos lembram que “o povo tem a força, só precisa descobrir. Se eles não fazem nada, fazemos tudo por aqui”. Façamos.
O Relatório da Felicidade, criado pela ONU, em 2012, mede a felicidade interna de 158 nações. O objetivo do estudo é criar uma métrica alternativa de sucesso e auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas. No cálculo, observa-se: o amparo aos mais necessitados, a liberdade de expressão, a generosidade do povo, os casos de corrupção, as desigualdades sociais, a expectativa de vida, os níveis escolaridade e renda. Nos últimos cinco anos, perdemos posições no ranking. Fomos ultrapassados por doze países, ocupamos o 28º lugar, atrás do México, Costa Rica e Panamá. No topo da lista, está a Finlândia. Não é para menos.
Há 100 anos, os finlandeses lutam por igualdade. Homens e mulheres ganham o mesmo salário quando desempenham funções semelhantes. Elas já se acostumaram aos pleitos eleitorais. Votam desde 1906 e são eleitas para cargos majoritários. Quando mães, contam com a ajuda financeira do governo, dividem as tarefas com os maridos e dormem tranquilas. Seus filhos estudarão em escolas de alta performance, não sofrerão com a violência urbana e morrerão no curso natural da vida, depois dos 82 anos. Por lá, felicidade não é privilégio.
No Brasil, os felizes vivem como ilhas isoladas a beira de um tsunami. Ora parecem alienados, distantes da realidade, ora temem uma iminente reviravolta. É duro ser feliz no país em que 1/3 das mães não sabem como farão para alimentar seus filhos durante o mês com o salário que ganham. Apesar da jornada dupla, ganham menos do que os homens e chefiam, sozinhas, lares pobres ou miseráveis. Seus filhos terão de lutar chegar ao Ensino Médio de escolas sucateadas. É mais provável que desistam antes. Ou por conta da desmotivação, ou porque morrerão. A cada 23 minutos, uma mãe chora a morte de um filho negro. A violência urbana matou 325 mil jovens nos últimos dez anos. Por aqui, dente na boca, sorriso branco, diploma na parede e alegria são símbolos de status. É coisa para compartilhar no Instagram.
Concordam os gurus indianos, os livros de autoajuda e o Relatório da ONU que as portas para a felicidade aumentam de acordo as oportunidades criadas pela vida social. Os esforços individuais são inúteis se não houver contextos favoráveis. Temos mais chances de sermos felizes quando temos o básico garantido e sobra tempo para sonhar com o supérfluo, onde a vida é tão previsível que sorrimos diante do inesperado e tomamos decisões sem temer os riscos. A felicidade é o resultado de um jogo de forças no qual indivíduos, a sociedade e os governantes são protagonistas.
No último verso do Rap da Felicidade, Cidinho e Doca cobram, dos poderosos, a sua cota de responsabilidade no jogo. Já prevendo a costumeira incompetência, nos lembram que “o povo tem a força, só precisa descobrir. Se eles não fazem nada, fazemos tudo por aqui”. Façamos.
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| Michel Alcoforado, doutor em antropologia, é sócio-diretor da consultoria Consumoteca e acredita que, coletivamente, é possível transformar o caos do mundo (Divulgação/Veja SP) |
Disponível em: ˂https://vejasp.abril.com.br/blog/felicidade/felicidade-michel-alcoforado-nao-basta-querer/˃ Acesso em: 9 jan.
2019.
segunda-feira, 2 de março de 2015
REVISTA VOCÊ S/A 20/11/2014 05:55
O professor de Harvard que ensina a ser feliz
O professor Tal
Ben-Shahar: “A felicidade não é estática. É um processo que termina apenas com
a morte”
São Paulo - Os cursos mais populares da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não ensinam medicina nem direito, mas felicidade. No ano passado, mais de 1 000 alunos se
inscreveram para
assistir às aulas do professor Tal Ben-Shahar, que usa um ramo da psicologia para ajudar os estudantes de graduação na busca da realização pessoal.
Na primeira vez que ministrou o
curso, há dez anos, oito pessoas se inscreveram. A fama cresceu e, embora os
alunos façam trabalhos, não recebem notas, mas algo mais pessoal. “Eles falam
que a aula muda a vida deles”, diz Tal. Nesta entrevista, ele mostra como
encontrar satisfação profissional e pessoal.
VOCÊ S/A - Aulas que têm como
enfoque otimismo e felicidade não são algo comum em uma universidade
tradicional como Harvard. Por que criou o curso?
Tal Ben-Shahar - Comecei a estudar psicologia positiva
e a ciência da felicidade porque me sentia infeliz. No meu segundo ano de
estudante em Harvard, quando cursava ciência da computação, eu era
bem-sucedido, pois tinha boas notas e tempo para atividades que me davam
prazer, como jogar squash. Mesmo assim era infeliz.
Para entender por que, mudei de área
e fui cursar filosofia e psicologia. Meu objetivo era responder a duas
perguntas: por que estou triste e como posso ficar feliz? Estudar isso me
ajudou, e decidi compartilhar o que aprendi.
VOCÊ S/A - Uma pesquisa de
doutorado feita no Brasil revela visões diferentes do que é ser
bem-sucedido, que vão além de dinheiro e poder. As pessoas buscam algo
mais profundo?
Tal Ben-Shahar - Sucesso não traz, necessariamente,
felicidade. Ter dinheiro ou ser famoso só nos faz ter faíscas de alegria. A
definição de sucesso para as gerações mais novas mudou. Não é que as pessoas
não busquem dinheiro e poder, mas há outros incentivos.
No passado, sucesso era definido de
maneira restrita, e as pessoas ficavam numa empresa até a aposentadoria. Agora,
há uma ânsia por ascender no trabalho, ter equilíbrio na vida pessoal e
encontrar um propósito.
VOCÊ S/A - Qual a principal
lição sobre a felicidade o senhor aprendeu?
O que realmente interfere na
felicidade é o tempo que passamos com pessoas que são importantes para nós,
como amigos e familiares — mas só se você estiver por inteiro: não adianta
ficar no celular quando se encontrar com quem você ama. Hoje, muita gente
prioriza o trabalho em vez dos relacionamentos, e isso aumenta a infelicidade.
VOCÊ S/A - Descobrir para onde
queremos ir seria a grande questão?
Muita gente não sabe o que pretende
da vida simplesmente porque nunca pensou sobre o assunto. As pessoas vivem no
piloto automático. Ouvem de alguém que deveriam ser advogado ou médico, e
acreditam em vez de se perguntar do que gostam. Essa é a questão fundamental.
VOCÊ S/A - Como aplicar as
diretrizes da psicologia positiva no dia a dia do trabalho?
Uma maneira é pensar nos progressos
diários que um profissional alcança no fim de cada dia. Segundo uma pesquisa de
Teresa Amabile, professora de administração da Harvard Business School, quem
faz isso tem índices mais altos de satisfação e é mais produtivo.
Deve-se também valorizar os próprios
pontos fortes e, no caso dos chefes, os pontos fortes das pessoas da equipe, o
que aumenta a eficiência dos times. Isso não significa deixar de lado as
fraquezas, que devem ser gerenciadas. Apenas que a maior parte da energia
precisa ser gasta fortalecendo os pontos fortes ao máximo.
VOCÊ S/A - Dá para fazer isso
mesmo em momentos de crise ou de baixo desempenho?
Sim, desde que os profissionais sejam
realistas. Em 2000, quando Jack Welch (ex-presidente da GE e referência em
gestão) foi nomeado o gerente do século pela revista Fortune, perguntaram que
conselho ele daria a outros gerentes. A resposta foi: aprendam a encarar a
realidade.
O mesmo se aplica nesse caso. A
psicologia positiva não defende que os erros e os pontos fracos sejam
ignorados. Apenas propõe uma mudança de foco: parar de enxergar só o que vai
mal e ver o que dá certo — mesmo nas crises. A proposta é observar o quadro
completo da realidade.
VOCÊ S/A - Qual sua opinião
sobre o discurso de que basta fazer o que ama para encontrar satisfação
profissional?
Isso pode ser a solução para alguns.
Na maioria dos lugares e trabalhos, é possível identificar aspectos
significativos para cada pessoa. Uma pesquisa feita com profissionais que
trabalham em hospitais mostrou que tanto no caso de médicos quanto de
enfermeiros e auxiliares havia profissionais que enxergavam o trabalho como um
chamado e outros que o viam apenas como um emprego.
Em outras palavras, o foco que damos
ao trabalho acaba sendo mais importante do que a natureza dele. Alguém que é
funcionário de um banco pode pensar que trabalha com planilhas o dia todo ou
que está ajudando as pessoas a gerenciar sua vida.
VOCÊ S/A - O jornalista
britânico Oliver Burkeman defende que não se deve buscar felicidade, mas o
equilíbrio, pois ninguém pode ser feliz sempre. O que acha disso?
Concordo. A primeira lição que dou na
minha aula é que nós precisamos nos conceder a permissão de sermos seres
humanos. Isso significa vivenciar emoções dolorosas, como raiva, tristeza e
decepção. Temos dificuldade de aceitar que todo mundo sente essas emoções às
vezes. Não aceitar isso leva à frustração e à infelicidade.
VOCÊ S/A - O senhor é
feliz?
Eu me considero mais feliz hoje do
que há 20 anos e creio que serei ainda mais feliz daqui a cinco anos. A
felicidade não é estática. É um processo que termina apenas com a morte.
Encontrei significado em meu trabalho e faço o que me dá prazer, mesmo tendo,
como todo mundo, momentos de estresse e sofrimento — esse é o equilíbrio que
todo profissional deve almejar.
Mas também procuro desfrutar de
coisas fora do mundo do trabalho: passar tempo com minha família, com meus
amigos e encontrar um espaço na agenda para a ioga. Tudo com moderação.
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/19702/noticias/o-professor-da-alegria> Acesso em: 23 nov. 2014.
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